Santos/SP
é o espaço físico que habito. Uma pequena ilha de 39,4 km2, com o
maior porto do país ao lado e muito mais pessoas e carros do que ela consegue
comportar. É uma cidade maravilhosa, mas como busca preencher as expectativas
de turistas, moradores, empresários e investidores, tornou-se uma colcha de
retalhos.
Desde
que cheguei a Santos, em 2009, reclamo do trânsito. É bastante complicado
atravessar a cidade, estacionar nos principais bairros é quase impossível e as
motos e bicicletas são insanas. Este era o pensamento da motorista de carro.
Naquela
época também percebi que a cidade de Santos é plana, completamente plana.
Perfeita para andar de bicicleta sem muitas dificuldades. E pensava em ter uma
bicicleta para diminuir o nível de estresse que passava no dia-a-dia.
Comprei
uma bicicleta usada. Quando a faxineira me disse que tinha uma bicicleta parada
em casa, me ofereci para comprar a dela. Minha consciência dizia que isto seria
mais correto, ecologicamente falando, do que comprar uma nova.
Passei
uma semana equipando a bike – coloquei espelho, pezinho e uma cestinha na
frente para carregar minhas compras. A bike estava revisada e em perfeitas
condições.
Um
dos meus compromissos de rotina é andar 5 quarteirões às 11h da manhã de
sexta-feira. E foi neste dia que resolvi testar a bike, sair com ela pela
primeira vez nas ruas de Santos.
Desde
criança não andava de bicicleta, mas isso não gerou problemas. Andei pelo
estacionamento do meu condomínio como se andasse de bike diariamente. Moro em
uma rua de mão única, mas nem pensei em fazer a rota que faria de carro, fui
andando pelo caminho mais curto, no contrafluxo. Sim, porque assim eu
conseguiria ver os carros de longe e me defender deles.
Em
5 quarteirões quase atropelei dois pedestres que não olhavam para o lado de
onde eu vinha, pois o fluxo de carros vinha do lado oposto. Quando chegava
perto de alguém gritava: cuidado! Também quase fui atropelada por uma bicicleta
cheia de galões de água mineral que não sabia se ia para a direita ou esquerda
para desviar de mim.
Cheguei
tremendo. Eu deveria ter comprado um capacete. Imagina se algo tivesse
acontecido e eu caísse batendo a cabeça no chão. Nossa! Como a bicicleta nos
torna frágeis e expostos! E como o carro dá uma sensação de proteção. É uma
realidade, na bicicleta, como nas motos, qualquer acidente pode ser fatal.
Na
volta resolvi que andar na contramão era perigoso. Fiz um trajeto parecido com
o que faria de carro - 5 quarteirões se transformaram em 14 quarteirões.
Descobri que o meu braço encobria a visão do espelho colocado muito para
dentro. Também descobri que o banco estava alto demais e que talvez por isso
meu braço encobrisse a visão da rua atrás de mim.
Quando
cheguei e contei à faxineira, ex-dona da bike, as ocorrências do meu simples
passeio, ela me aconselhou: Ande sempre como se estivesse de carro, pelo lado
direito da rua e bem próxima ao meio-fio. E não se importe se carros e motos
buzinarem, porque você está certa. Sempre que puder vá pela ciclovia e respeite
o lado direito. Não use a ciclovia nos horários de pico dos trabalhadores,
senão você vai ser carregada até São Vicente (cidade vizinha).
Ciclovia?
Apesar de possuir uma imensa ciclovia que contorna a praia - e outra numa linha
central da ilha, a Av. Afonso Pena -, aquelas saídas curtas que preciso fazer
na cidade, no miolo da ilha, são de difícil acesso para bikes.
A
prefeitura está ampliando as ciclovias, existirá uma ciclovia acompanhando cada
um dos canais. Há realmente uma nova consciência por trás das atuações do Poder
Público que está investindo em ciclovias. Nada mais sensato em uma cidade
plana. Mas me pergunto se as ciclovias já não estão pequenas para o contexto da
cidade. E também se é seguro uma ciclovia no canteiro central de grandes
avenidas de tráfego intenso. Afinal, se houver qualquer problema na ciclovia, o
motorista cai no meio da pista dos carros.
Em
verdade, o problema central de Santos são os números. Território pequeno,
população flutuante de turistas e pessoas a trabalho cada dia mais volumosa;
excesso de carros, de motos e de bicicletas; construções incontáveis de prédios
com mais de 30 andares em plena beira mar.
Fico
pensando que tentar ser uma moradora “sustentável” em uma cidade que beira o “insustentável”
é como andar de bike na contramão.
Os
problemas da cidade se multiplicam tão rapidamente que talvez as melhoras
incipientes já venham defasadas ou inadequadas ao novo perfil.
Mas
o que irá acontecer daqui para frente? Vou comprar o capacete e continuar
tentando. Realmente acredito que a bike é a melhor escolha: não polui, exercita
o corpo, refresca a mente, é mais rápido do que ir a pé.
Meu
pai costuma dizer: “toda felicidade implica em uma renúncia”. Descobri que a
harmonia, o equilíbrio e a cooperação me fazem feliz. Isto implica em abdicar
de algum conforto, mas, sinceramente, a sensação de estar fazendo a coisa certa
não tem conforto que pague!
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