Semana passada, um iceberg,
estimado em um trilhão de toneladas, se formou ao se soltar de uma plataforma
de gelo na Antártica.
Uma massa de gelo desse tamanho
se desprender da Antártica, ainda que seja bastante assustador, é algo natural.
O ciclo de gelo e degelo ártico e antártico acaba propiciando ações nesse
sentido, então não é raro – na verdade, é bastante comum – a formação de
icebergs menores do que esse.
Mas a história aqui não é só pelo
iceberg.
Um reconhecido negacionista
climático, reiterando sua afronta a conceitos científicos básicos, reforçou em
rede social: “Prioridades: Bloco de gelo da Antártida ou o rio de coco e xixi
que cruza São Paulo?”. Bem, tirando o fato da falácia óbvia nessa afirmação –
da mesma classe do famoso “como você se preocupa com isso quando tem gente
morrendo de fome na África?” –, o doutor professor analisa pontualmente o fato,
ignorando o contexto. A questão não é esse iceberg, apesar de que seu tamanho
tenha atraído atenção midiática; a questão é a tendência.
Falamos aqui de mudança do clima.
Falamos sobre a temperatura média global e sua tendência para as próximas
dezenas de anos. Se, no momento em que escrevo este texto, estamos
experimentando no Brasil um frio atípico, mesmo para o inverno, isto é uma
prova tão precisa que “o aquecimento global é uma farsa” como seria afirmar que
a fome do mundo acabou porque estou no meio de um supermercado cercado de
comida. Não se analisa um evento pontual, uma chuva fora da média, um furacão
ou uma onda de calor, mas a soma de todas essas coisas e, principalmente, a
tendência de um clima cada vez mais severo e de mudanças abruptas.
O cientista climático sério não
analisará os dados de sua pesquisa para afirmar que amanhã estará mais ou menos
quente ante a ação humana dos últimos dois séculos. E não o fará por dois
motivos principais: primeiro, porque, como dito, a climatologia mede e estipula
tendências do clima, não a previsão do tempo de amanhã; e segundo – e se é para
você guardar algo deste texto, concentre-se nisso – porque a ciência não
funciona com verdades absolutas.
Infográfico: Estadão. Fonte: IPCC |
As conclusões dos estudos vão
sempre falar de tendência e probabilidade. Não de verdades absolutas. Vão falar
que há uma chance quase inequívoca de um aumento superior a 2°C na temperatura
média global até o final do século decorrente da ação humana. E falarão isso
com mais e mais certeza quanto mais dados foram disponíveis; ou mudarão
prognósticos baseados em novos dados, novas leituras ou refutações sérias.
Para entender o funcionamento do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). Infográfico: Folha de São Paulo |
O inglês tem uma expressão muito
útil para falar da ciência “séria” – sound. Quando algo é metodologicamente
correto, desamarrado de ideologias e dogmas pré-concebidos e com afirmações
checadas posteriormente por pares, aquilo é sound science. E, nesse momento, é
disso que precisamos. Que essa ciência sound se aprofunde cada vez mais, a
ponto de superar o “ruído” que vem de céticos que se utilizam de falácias ou
meias-verdades para que seu próprio público bata palmas mais ruidosas. Na era
do fake news e da pós-verdade, um dos caminhos de superação é justamente uma
ciência séria.
0 comentários:
Postar um comentário