Trabalhar para a natureza não é
nada fácil. O mundo natural é o meu escritório. Isso significa que grande parte do meu tempo eu passo em lugares
que estão sofrendo com os abusos da sociedade contemporânea. Testemunhar
lixões, alagamentos, rios poluídos são momentos de muita angústia para mim.
Porém são nesses encontros com a dor que eu percebo o quão necessários são as
pessoas que estão dedicando suas vidas a sustentabilidade.
Atualmente estou atuando como
educadora para a fundação internacional Traidhos Tree Generation Barge Program
em Bancoque na Tailândia. O objetivo da fundação é educar indivíduos e
comunidades para a conscientização socioambiental e empodera-los para ter uma
participação mais ativa e responsável na construção de um futuro sustentável. A
fundação existe desde 1995 e oferece a escolas, universidades e empresas
diferentes expedições ao mundo natural e a locais sagrados de acordo com a
cultura Thai e a religião Budista.
Acampamento e fogueira. Foto: Traidhos Tree Generation Barge Program |
Grande parte de nosso público são
escolas internacionais com turmas de crianças de todas as idades. Nossas aulas
são experiências praticas que buscam oferecer uma perspectiva holística
provocando o pensamento crítico e contribuindo com o aprendizado em sala de
aula. Todo o nosso trabalho é conduzido em inglês e a equipe da fundação tem 8
educadores de diferentes países do mundo e 4 educadores da Tailândia.
Eu e minha equipe, uma interprete
de Tailandês e mais um educador, levamos grupos para áreas de natureza
selvagem, espaços sagrados, comunidades tradicionais e regiões que foram depreciadas.
Algumas vezes visitamos lugares que são exemplo de conservação, aonde a
integridade do ecossistema impera e você pode contemplar e estudar as espécies
de maneira abundante. Nestes dias meu espírito se revigora e eu me recordo
porque dedico a minha vida ao mundo natural.
Foto: Khao Yai National Park |
Outras vezes nós vamos a lugares
completamente oprimidos e destruídos. Vamos testemunhar os resultados de um
consumo desenfreado e um descarte irresponsável que gera muita poluição.
Testemunhamos sujeira por todos os lados e não é possível encontrar espécie
alguma. Hoje a Tailândia sofre muito com o descarte irresponsável, eu ainda não
tinha visto nada igual.
Um dos principais projetos da
Thraidos Three Generation é dedicado ao rio Chao Phraya. Chao Phraya é o
principal rio do país e esta completamente poluído devido ao desenvolvimento
sem planejamento. As aulas sobre o Chao Phraya são oferecidas em um barco e nós
navegamos observando os moradores e empreendimentos na costa do rio, os dejetos
que flutuam e realizamos testes para verificar a qualidade da água. Nestas
expedições também observamos os efeitos da destruição ecológica na vida das
pessoas e moradores locais. Em visitas como estas eu me questiono porque
escolhi tal profissão.
Casa alagada na ilha de Ko Kret. Fonte: Maria Eduarda Souza |
Crianças durante aula no rio Chao Phraya. Fonte: Maria Eduarda Souza |
Trabalhar para a natureza é
assim. Navegamos entre regiões belíssimas e lugares extremamente destruídos
aonde o ar não se respira. Por exemplo, em uma mesma expedição nós visitamos a
ilha Samae San que é protegida pela Marinha Real da Tailândia e nutre uma rica
vida marinha. E no dia seguinte visitamos uma região de carcinicultura (cultivo
de camarão) na costa do país aonde a biodiversidade foi substituída por
monocultura.
Panorâmica na ilha Koh Samae San, reserva marinha. Fonte: Maria Eduarda Souza |
Crianças mergulhando na reserva Koh Samae San. Fonte: |
Grande parte da educação para a
sustentabilidade estar em mostrar os lugares que foram depreciados para gerar
conscientização sobre os resultados de uma sociedade insustentável. É triste
mas através do exemplo as crianças podem refletir sobre os impactos de suas
atitudes e escolhas. Em geral, nós trabalhos com crianças que vivem na grande
Bancoque e acham que a poluição é normal. A ideia de rios e ruas limpas são uma
imagem distante e irreal.
No entanto, através de vistas a
lugares selvagens e experiências de profunda conexão com a natureza somos capaz
de inspirar os alunos a se apaixonarem pelo mundo natural. Para mim, esta é uma
estratégia mais satisfatória no ensino da sustentabilidade. Através de uma
estímulo afetivo com a natureza nós somos capaz de engajar mais corações.
Quando nos apaixonamos pelo mundo natural, organicamente iremos protege-lo,
buscar informações e transformar nossas atitudes.
Trilha no Parque Nacional Khao Yai. |
Aula no Parque Nacional Khao Yai. |
É preciso ser honesta quanto ao
trabalho da Traidhos Tree Generation Barge Program. Aqui eu observo muitos
benefícios positivos e transformadores destas aulas e vivências. Sem dúvidas é
um lugar digno para trabalhar e estamos oferecendo experiências significativas.
No entanto, também observo a discrepância entre os valores e ética da fundação
e a aplicação destes conceitos na prática. Não irei entrar nos detalhes agora,
porém, brevemente quero mencionar que a alimentação oferecida aos alunos ainda
é muito incoerente e não reflete conceitos de sustentabilidade. O uso de
combustível de transporte também é algo astronômico que preciso ser revisto com
criatividade e eficiência. Sinto que preciso expor esta preocupação, pois por
ser funcionária da fundação preciso ter uma reflexão crítica sobre tal.
Outro assunto que eu questiono
diariamente é a política de “health and safety” (saúde e segurança) imposta
pelas escolas e seguida com rigor por nós. É claro que a segurança de nossos
alunos é importantíssima e nunca será a nossa intenção agir de maneira leviana.
Porém, aonde estas políticas de segurança começam a criar uma barreira entre as
crianças e a natureza? Por exemplo, quando mergulham nos rios e estão nas praias
os alunos são obrigadas a usarem sapatos por conta do risco de machucarem o pé.
As crianças não podem mergulhar no mar livremente, somente com colete salva
vidas, nem mesmo no raso. Os alunos também estão proibidos de correr pela
floresta ou subir em árvores. Será que isso não esta ensinando a eles a se
protegerem da natureza ao invés de respeita-la sendo consciente com sua própria
integridade física?
Crianças no trem |
Minhas experiências com crianças
indígenas na Amazônia me mostra como uma verdadeira relação de aprendizado com
a natureza emerge da confiança, sem barreiras impostas por órgãos invisíveis.
Sei que não é justo comparar a infância indígena com a cultura internacional
Thai de centros urbanos. Porém, precisamos restaurar a liberdade e empoderar
nossos alunos para entender risco ao invés de protege-las da vida selvagem. Nós
fazemos parte da natureza e estas barreiras e proibições nos afastam cada vez
mais de entender que somos parte do mundo natural.
Criança indígena na aldeia Ipavu. Foto: |
Mudar a mentalidade é um grande
desafio, no entanto é exatamente o que precisamos na construção da transição
para uma sociedade sustentável. Eu tenho uma vontade enorme de retornar ao
Brasil e trabalhar com crianças e ecossistemas brasileiros. Aproveito e faço o
convite, se você tiver interesse em trabalhar junto, entre em contato. Basta
comentar aqui com seu email que eu escrevo para você. Vamos conversar! Educar
para a sustentabilidade é um trabalho a longo prazo e a mais poderosa
ferramenta para mitigar nossa atual crise ecológica.
Contemplando a vista no Parque Nacional Khao Yai. Foto: Maria Eduarda Souza |
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